"A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade".
Antonio Candido, O direito à literatura (1995).
Antonio Candido, O direito à literatura (1995).
É com muita alegria que a leitura do livro de Pennac finalmente está sendo aos poucos incorporada aos integrantes do Clube do Livro Atlântico. Talvez a palavra-chave deste encontro seja “RENASCIMENTO”, pois estes momentos constituem-se esforços para desobstruírem-se as intermitências cotidianas e assim – nas palavras do grupo – “arejar a alma”, encharcando-se de poesia, leitura e diálogos. É a transformação pela palavra em leitura aberta e articulada pelas linguagens artísticas.
O primeiro momento, de
praxe, é a motivação. O momento de imersão e provocação sensível do
vir a ser, visto que ensinar exige estética e ética numa “necessária promoção da ingenuidade à criticidade (que)
não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao
lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas” (FREIRE,1996, p.
32). Para tanto a relação da música com a poesia completa o recado e é sempre
bem-vinda em nossos encontros. Dessa vez quem sugeriu a canção de abertura foi
a diretora Lourdes, que nos trás “Sampa” de Caetano Veloso, mas na versão
peculiar e sussurrada de João Gilberto. A deleitar-se:
Sampa
Compositor: Caetano Veloso
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mas possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mas possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Realizado este momento,
puxou-se o gancho e conversamos sobre o que a música gerou em cada um, suas
sensações despertadas e interpretações, corroborando com a idéia de pensar nos
processos de ensino e aprendizagem de forma crítica-reflexiva. Essa necessidade
de desenvolver no educando não só a decifrar a ler, mas subir o patamar para
constituir o poder de interpretação e adquirir autonomia sobre o que leu.
Já que o assunto é poesia
na sala de aula, foi promovida uma rápida realimentação do encontro passado
(ver o post “2º
encontro do Clube do livro: Poesia, escola e educação criadora”) que tratou
um pouco mais a fundo sobre o papel da literatura na instituição educativa. E
dialogou-se sobre “o que pode” e “o que não pode” ser apresentado de literatura
para a criança (questão temática). Sem nos aprofundarmos demais em teorias
acadêmicas e após algumas reflexões, chegamos a um denominador comum. Aqui a grosso modo: pode-se tudo com a
arte literária, desde que bem planejado, observada as intenções e o bom-senso.
Deixa-se o “podre” e o que é de “baixo calão” fora de questão por enquanto. É
preciso caminhar para a boa qualidade e a alta literatura. É preciso lembrar
que ser criança não é ser simplório. É necessário não ter medo de apresentar à
criança, desde cedo, as questões de ordem existencial, até porque ela lida com
a dor e o amor de maneira muito mais “verdadeira” do que o adulto, visto que
este possui muito mais couraças em virtude das imposições socioculturais. Daí a
importância das escolhas das obras e de primeiramente haver a apropriação da
mesma pelo docente, pois assim o trânsito flui melhor para que a mediação se
concretize.
Para melhor nos
orientarmos e consultarmos diferentes opiniões, assistimos aos vídeos da
Juliana Gervason (do blog O Batom de Clarice) com suas “9 dicas para ler poesia”
e conhecemos uma pouco mais sobre a escritora Lygia Bojunga Nunes, ganhadora do
Hans Christian Andersen (prêmio internacional da literatura infanto-juvenil) e
autora de A bolsa amarela (que já se tornou um clássico da literatura
brasileira). Lygia Bojunga conversou na entrevista para o programa “Entrelinhas”
da Tv Cultura sobre sua obra, sobre seu trabalho como atriz e ainda deu sua
opinião sobre como devemos lidar com as crianças ao apresentar a obra literária.
Muito bacana de se ver. Segue os dois vídeos linkados para consulta.
a) 9 dicas para ler poesia:
b) Lygia Bojunga -
Entrelinhas (11/03/2012):
Entrar em contato com
música e a poesia, dialogar sobre a poesia, conhecer autora brasileira e
pessoas ligadas à literatura e ainda refletir onde se insere a prática docente
nisso tudo, foi só a primeira parte do encontro minha gente(!). A segunda
proposta da noite é a leitura e a discussão dos primeiros capítulos da obra que
o Clube está lendo: “Como um romance” de Daniel Pennac.
Eu preparei uma dinâmica
que permeou todo o processo. Primeiramente subentende-se que todos tivessem
efetuado a leitura de pelo menos os primeiros dez capítulos. Assim, recolheu-se
as primeiras impressões da obra, bem como o objeto livro em si: seus paratextos,
capa, edição e etc.
Na sequência, posicionei
um mural em branco no quadro a ser preenchido. Como o quê? Ah! Foi distribuído
números para os integrantes de modo que na junção de iguais formaram-se os
pares. Esses pares recebiam uma carta contendo um enunciado com um
questionamento. E tiveram vinte minutos para bolarem uma resposta escrita e o
comentário que foi tecido na frente de todos, para assim também colaborarem na
discussão. Terminado cada etapa, a dupla colava no mural os produtos gerados.
Conseguimos analisar até o capítulo 6 da obra (muito bem por sinal, grupo formado por pessoas boas, o resultado é sempre bom!) e depois o mural foi transferido para a sala dos professores. A seguir, as perguntas e umas fotos do mural:
1) Em nossos encontros, chegamos à
percepção de que a leitura é para o espírito o que o alimento é para o corpo.
No primeiro capítulo do livro “Como
um romance” de Daniel Pennac, revela o cotidiano de uma família moderna e sua
relação com o livro. Aponta implicitamente a relação entre um leitor e sua
difícil relação com a obra literária.
Você poderia discorrer com suas próprias palavras o porquê
dessa relação (entre leitor e obra) não estar fazendo sentido?
2) “- Ele acha as descrições longas demais. É preciso entender, estamos no
século do audiovisual, evidentemente os romancistas do século dezenove tinham
que descrever tudo...” (PENNAC, 2011, p.14)
Vivemos num mundo em que a tecnologia cria interatividades
com diversos tipos de mídias altamente atrativas. Os livros dividem esse espaço
e por vezes, conseguem causar rebuliço, novidades e atrair filas de jovens para
conseguir um autógrafo de seu “mais novo” escritor favorito. Por que o livro
ainda desperta interesse nas crianças e nas pessoas? O que o torna ainda vivo?
3) Quantas pressões existem ao redor da
leitura! Pais que forçam os filhos a ler, a ganhar hábitos de leitura, mas nem
sempre da melhor forma. O insucesso é flagrante. A verdade é que a seriedade
com que se encaram os livros dificilmente chega a maravilhar qualquer criança.
Vistos como objetos maçudos e pouco apelativos, os livros são injustamente
postos de lado por não serem apresentados como uma brincadeira tão apelativa
como outras. E pior, muitas vezes são censurados.
Por meio do fragmento temático da história do segundo capítulo do livro “Como um
romance” de Pennac, você conseguiria associar com criticidade a um causo
visto/sabido em suas experiências?
4) “Para ele, nos
transformamos em contador de histórias. (...), inventamos para ele um mundo”.
(PENNAC, 2011, p. 16).
Ler é
um hábito que pode se formar desde o berço. Não faz mal se ainda não compreende
toda a história, até porque está conhecendo a língua escrita. Nesse momento, o
que importa é despertar na criança o amor pela leitura. Estimular o hábito da
leitura é tão importante quanto ensinar a tomar banho, comer ou escovar os
dentes? O que pode acontecer quando ele se encanta pelas narrativas?
Neste
sentido, comente a relação de afeto personificada pela ação da família no capítulo três do livro “Como um
romance” de Pennac.
5) “Grande fruição do
leitor, esse silêncio depois da leitura” (PENNAC, 2011, p. 18).
As
razões para ler são tão estranhas quanto as nossas razões para viver. E a
ninguém é dado o poder para pedir contas dessa intimidade. No capítulo 4, Pennac discorre acerca dessa “solidão fabulosamente povoada”. Você poderia analisar os aspectos
transformadores que essa imersão literária pode proporcionar?
6) Comente o Capítulo
5: “Que pedagogos éramos, quando não
tínhamos a preocupação da pedagogia!” (PENNAC, 2011, p. 19).
Pois bem... Acreditamos
que a boa leitura é sempre uma via de mão dupla. Um entender-se por meio de
várias opiniões e concordar que é por meio dessa confrontação que se ara a terra para
germinar o olhar: podemos perceber nossa história e objeto de estudo de
maneira diferente. Assim, olhar através de ângulos, apreciar ou não, comparar,
discutir de modo que nos distanciamos um pouco da nossa leitura acostumada para
ganhar nova dimensão. Em síntese, uma das infinitas vantagens de ler em grupo e
perceber que cada (novo) leitor notará o livro quase sempre de uma maneira dissemelhante
do nosso. Colaborando para romper os nossos limites enquanto leitores e (RE)NASCER
ricos diálogos sobre livros.
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Clube do Livro Atlântico |
Professor Bruno Lazzarotto Farias.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: duas Cidades, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
=)
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