sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A invenção da dança e a reinvenção do professor



“Em meus textos, quero chocar o leitor, não deixar que ele repouse na bengala dos lugares-comuns, das expressões acostumadas e domesticadas. Quero obrigá-lo a sentir uma novidade nas palavras”!
João Guimarães Rosa

Em confluência com os dizeres do Rosa, pego o mesmo vagão e sento ao lado. Enquanto mediador de leitura, fico na busca de proporcionar espaços de extraterritorialidade no modo de agir com a literatura em espaços educacionais. Esta primeira semana, de “sondagem” do público me serviu não somente para conhecê-los, mas já motivá-los na experimentação de poesia.

Acredito que a leitura é experimentação com o corpo, quando um livro nos agarra, melhoramos nossos sentidos das cores, das formas e dos tamanhos do mundo. Por que não aprender sobre os sentidos do odor, da audição, do tato? Os personagens e as cadências das palavras, às vezes, usam emprestados nossos narizes e ouvidos. Assim consigo convencer o meu leitor de que ele esta , surpreendendo-os com sons, sabores e text(os)uras.

Iniciei as conversas com diálogos sobre livros, sobre férias, sobre brincar e também relembrando os autores do ano passado. Surpresa (?) ao saber que a maioria já internalizou nomes e poemas do Vinicius de Moraes, Sérgio Capparelli ou até mesmo, Paulo Leminski. Retorno valoroso para mim e maneira de atualizar as crianças novas. Vale ressaltar que as ações se passaram com todas as turmas da Educação Infantil e de 1º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental, nos dias 18 e 20 de fevereiro/2014.
Logo após, apliquei a seguinte dinâmica:

1.           Levantei questionamentos sobre a arte da dança e a música. Como elas se ligar.
2.           Após o brainstorm, distribui poemas do autor Ricardo Silvestrin, chamado “A invenção da dança” e os convidei a ficar de pé atrás de suas cadeiras.
3.           Estipulei regras para os deslocamentos, como prestar atenção às chamadas do mediador (eu), cuidar para não se empolgar demais e bater com os braços no colega e não sair de seu espaço (atrás da cadeira), pois iríamos dançar e declamar poesia.
4.           Iniciei a declamação do poema e a movimentação ficou assim:


A INVENÇÃO DA DANÇA
Mediador:
Antes da dança,
veio a música,
que nasceu dentro do corpo,
na batida do coração.

Todos batendo no peito e repedindo:
Batuca, coração, batuca.

Mediador:
Um dia a música
saiu pra fora
e foi pra mão.
Todos batendo na mão e repetindo:
Batuca, tambor, batuca.

O ouvido escutou,
mas o pé também
e começou a bater.
Todos batendo o pé e repetindo:
Batuca, tambor, batuca.

Até o dedão
chamou o dedo médio
pra estalar.

Todos estalando os dedos e repetindo:
Batuca, tambor, batuca.

E a cintura
que era dura
foi para um lado
e outro
sem parar.

Todos mexendo a cintura e repetindo:
Batuca, tambor, batuca.

A música saiu
de dentro do corpo
e o convidou
pra dançar.

Todos repetindo todos os movimentos anteriores:
Batuca, tambor, batuca.

                  5.                    Ao término sempre é bom lembrar o nome do autor.
     6.           Após a dança com a declamação do poema, foram feitas reflexões tendo como pressupostos as opiniões dos alunos: seus sentimentos, suas lembranças e suas opiniões costuradas com os versos poéticos.

Posteriormente convidei a turma ao silêncio. Silêncio como pano de fundo para ouvir o som que vem do coração de cada. Assim, formou-se duplas que pousaram os ouvidos sobre o peito uns dos outros para ouvir a música do coração de cada um. Que som faz o seu? Diga-me como anda o seu coração que lhe direi como anda as seu caminhar, seus olhos, sua dança neste mundo, lembra os primeiros versos de Silvestrin?: “Antes da dança, veio a música, que nasceu dentro do corpo, na batida do coração”.

Começamos a descobrir o outro, nos integramos humanisticamente na medida em que nos transmutamos pela arte: em contramão deste mundo racional demais, que tem pressa demais, freamos para prestar atenção no outro, ao coração do outro. O outro: metáfora de nós mesmos? Metáfora... A metáfora que não ofusca a verdade, apenas a evidencia a partir de outra forma de linguagem, menos racional, mais sensível e poética. Lembro dos versos de Leminski:
“assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós”.

Queria que você sentisse a energia manifestada com a gente. Pedi para exteriorizarem os conceitos gerados em forma de ilustração atrás da folha do poema ou mesmo registrando com palavras, e veja só você! Saiu até outros poemas:



Exemplo 1. Poema criado a partir da experiência poética.


Exemplo 2. Até eu fui desenhado.


Exemplo 3. Palavras e ilustrações em relação.


Exemplo 4.


Exemplo 5.


Exemplo 6.

O que mais dizer destes momentos mágicos que vivemos com a p-o-e-s-i-a? Então foi assim meu primeiro contato com a turminha neste "ano que se inicia e se reinventa": entre conhecimentos, acordos, lembranças, poemas, danças, sons, sentidos nos educamos e mais que isso, nos humanizamos. Ao final do dia, fiz o seguinte comentário: “Acabo de chegar do primeiro dia do momento literário comigo! Tô super cansado, com dores nos joelhos e sem voz... ah, se todas as dores fossem assim: de tanta felicidade, de tanto abraçar, de tanto declamar poemas... que todas as dores daqui para a frente se transformem em POESIA! Agradeço a oportunidade”. E eis que recebo este presente de uma mãe e companheira de trabalho:


:)
E você? Qual é o som que emana de seu coração?


.
Muitos abraços, Professor Bruno.

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