“Em meus textos, quero chocar o leitor, não deixar
que ele repouse na bengala dos lugares-comuns, das expressões acostumadas e
domesticadas. Quero obrigá-lo a sentir uma novidade nas palavras”!
João
Guimarães Rosa
Em confluência com os dizeres do Rosa, pego
o mesmo vagão e sento ao lado. Enquanto mediador de leitura, fico na busca de
proporcionar espaços de extraterritorialidade no modo de agir com a literatura
em espaços educacionais. Esta primeira semana, de “sondagem” do público me
serviu não somente para conhecê-los, mas já motivá-los na experimentação de
poesia.
Acredito que a leitura é experimentação
com o corpo, quando um livro nos agarra, melhoramos nossos sentidos das cores,
das formas e dos tamanhos do mundo. Por que não aprender sobre os sentidos do
odor, da audição, do tato? Os personagens e as cadências das palavras, às
vezes, usam emprestados nossos narizes e ouvidos. Assim consigo convencer o meu
leitor de que ele esta lá,
surpreendendo-os com sons, sabores e text(os)uras.
Iniciei as conversas com diálogos sobre
livros, sobre férias, sobre brincar e também relembrando os autores do ano
passado. Surpresa (?) ao saber que a maioria já internalizou nomes e poemas do Vinicius de Moraes, Sérgio Capparelli ou até mesmo, Paulo
Leminski. Retorno valoroso para mim e maneira de atualizar as crianças
novas. Vale ressaltar que as ações se passaram com todas as turmas da Educação
Infantil e de 1º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental, nos dias 18 e 20 de
fevereiro/2014.
Logo após, apliquei a seguinte dinâmica:
1.
Levantei
questionamentos sobre a arte da dança e a música. Como elas se ligar.
2.
Após o brainstorm, distribui poemas do autor Ricardo Silvestrin, chamado “A invenção
da dança” e os convidei a ficar de pé atrás de suas cadeiras.
3.
Estipulei
regras para os deslocamentos, como prestar atenção às chamadas do mediador
(eu), cuidar para não se empolgar demais e bater com os braços no colega e não
sair de seu espaço (atrás da cadeira), pois iríamos dançar e declamar poesia.
4.
Iniciei a
declamação do poema e a movimentação ficou assim:
A
INVENÇÃO DA DANÇA
Mediador:
Mediador:
Antes da dança,
veio a música,
que nasceu dentro do corpo,
na batida do coração.
veio a música,
que nasceu dentro do corpo,
na batida do coração.
Todos batendo no peito e repedindo:
Batuca,
coração, batuca.
Mediador:
Um dia a música
saiu pra fora
e foi pra mão.
Todos batendo na mão e repetindo:
saiu pra fora
e foi pra mão.
Todos batendo na mão e repetindo:
Batuca,
tambor, batuca.
O ouvido escutou,
mas o pé também
e começou a bater.
Todos batendo o pé e repetindo:
mas o pé também
e começou a bater.
Todos batendo o pé e repetindo:
Batuca,
tambor, batuca.
Até o dedão
chamou o dedo médio
pra estalar.
chamou o dedo médio
pra estalar.
Todos estalando os dedos e repetindo:
Batuca,
tambor, batuca.
E a cintura
que era dura
foi para um lado
e outro
sem parar.
que era dura
foi para um lado
e outro
sem parar.
Todos mexendo a cintura e repetindo:
Batuca,
tambor, batuca.
A música saiu
de dentro do corpo
e o convidou
pra dançar.
de dentro do corpo
e o convidou
pra dançar.
Todos repetindo todos os movimentos anteriores:
Batuca,
tambor, batuca.
5. Ao término sempre é bom lembrar o nome do autor.
6.
Após a dança
com a declamação do poema, foram feitas reflexões tendo como pressupostos as
opiniões dos alunos: seus sentimentos, suas lembranças e suas opiniões costuradas
com os versos poéticos.
Posteriormente convidei a turma ao
silêncio. Silêncio como pano de fundo para ouvir o som que vem do coração de cada. Assim, formou-se duplas que
pousaram os ouvidos sobre o peito uns dos outros para ouvir a música do coração
de cada um. Que som faz o seu? Diga-me como anda o seu coração que lhe direi
como anda as seu caminhar, seus olhos, sua dança neste mundo, lembra os
primeiros versos de Silvestrin?: “Antes
da dança, veio a música, que nasceu dentro do corpo, na batida do coração”.
Começamos a descobrir o outro, nos
integramos humanisticamente na medida em que nos transmutamos pela arte: em
contramão deste mundo racional demais, que tem pressa demais, freamos para
prestar atenção no outro, ao coração do outro. O outro: metáfora de nós mesmos?
Metáfora... A metáfora que não ofusca a verdade, apenas a evidencia a partir de
outra forma de linguagem, menos racional, mais sensível e poética. Lembro dos
versos de Leminski:
“assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós”.
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós”.
Queria que você sentisse a energia
manifestada com a gente. Pedi para exteriorizarem os conceitos gerados em forma
de ilustração atrás da folha do poema ou mesmo registrando com palavras, e veja
só você! Saiu até outros poemas:
Exemplo 1. Poema criado a partir da experiência poética. |
Exemplo 2. Até eu fui desenhado. |
Exemplo 3. Palavras e ilustrações em relação. |
Exemplo 4. |
Exemplo 5. |
Exemplo 6. |
O que mais dizer
destes momentos mágicos que vivemos com a p-o-e-s-i-a? Então foi assim meu
primeiro contato com a turminha neste "ano que se inicia e se reinventa": entre conhecimentos,
acordos, lembranças, poemas, danças, sons, sentidos nos educamos e mais que
isso, nos humanizamos. Ao final do dia, fiz o seguinte comentário: “Acabo de chegar do primeiro dia do momento literário comigo!
Tô super cansado, com dores nos joelhos e sem voz... ah, se todas as dores
fossem assim: de tanta felicidade, de tanto abraçar, de tanto declamar
poemas... que todas as dores daqui para a frente se transformem em POESIA!
Agradeço a oportunidade”. E eis que recebo este
presente de uma mãe e companheira de trabalho:
Muitos
abraços, Professor Bruno.
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